Transcrição do episódio #21: O tango de Tita

Dos vários ritmos musicais argentinos, o mais próximo de Buenos Aires, o das pampas, é a milonga campera.

A milonga campera nasce com os primeiros colonos (e seus escravos) e passa a ser compartilhada pelos imigrantes que chegam diariamente para trabalhar a terra, ou tocando o gado dos fazendeiros.

Como são terras extensas, elas criam trovadores que atravessam longas distâncias e cantam nas pausas do trabalho agropastoril acompanhados do seu violão. O agro era pampa, e a pampa era milonga.

A teoria mais aceita da origem etimológica do termo ‘milonga’ é que deriva de línguas de origem bantu e significaria ‘palavrório’, ‘falação’.

A milonga é a evolução da música do gaucho, adaptada pelos imigrantes europeus, agora não só espanhóis mas do leste europeu e da Itália principalmente. Mesmo os mais paupérrimos europeus sobreviventes das fomes e guerras do século XVIII eram convidados a povoar o país.

Até hoje persiste essa visão de que éramos ‘um país de bárbaros’, que foi ‘civilizado’ pelos imigrantes europeus.

<Milei citando Alberdi>

Lá por 1850, a primeira constituição argentina inspirada no livro ‘Bases’ de Alberdi era ultra liberal, reforçando a defesa da propriedade, a liberdade (de comerciar) e os direitos garantidos a todos os habitantes… (todos?) A isso se juntou uma política importadora de europeus sob o lema ‘governar é povoar’. Povoar de imigrantes europeus que iriam trazer a educação e a mão de obra para o país, e que irão substituir a população vigente daquela época.

Na visão de Alberdi, as nações indígenas perderam sua terra e não fazem parte do país, e os gauchos são ignorantes demais.

Juan Bautista Alberdi no seu livro ‘Bases’ diz por exemplo:

“Na América, tudo o que não é europeu, é bárbaro: não há outra divisão: primeiro o indígena, isto é, o selvagem; segundo, o europeu, isto é, nós que nascimos na América e falamos espanhol, os que cremos em Jesus Cristo e não em Pillán (deus dos indígenas).”¹

Depois justificando por que povoar o país com europeus :

Cada Europeu que vem às nossas praias nos traz mais civilização nos seus hábitos, que depois comunica aos nossos habitantes, do que muitos livros de filosofia. (…) Um homem trabalhador é o catecismo mais edificante. Queremos plantar e aclimatar na América a liberdade inglesa, a cultura francesa, o empenho do homem da Europa e Estados Unidos? Vamos trazer pedaços vivos delas nos costumes dos seus habitantes e vamos instalá-los aqui”.²

Essa é a política que vai dominar a Argentina em seu projeto de embranquecimento da população. Negros e indígenas não tinham lugar nessa nova sociedade, e serão lentamente afastados das cidades e do cotidiano, colocados literalmente no escanteio dos subúrbios. Isso porque indígenas já tinham na maioria se rendido depois de batalhas que os expulsaram das terras férteis. É a mesma época do suposto ‘milagre econômico’ argentino, quando o PIB foi bem alto puxado pelas exportações de carne e grãos, mas à custa de uma sociedade bem desigual.

O primeiro censo argentino é de 1869 e contou 1 milhão 800 mil habitantes, sendo que 10% estava na cidade de Bs As³. Em 1914 o número vai praticamente quadruplicar4, já eram quase 8 milhões, sendo que perto de 30% de nascidos no estrangeiro. É um aumento considerável, mesmo contando mal ou sem contar nações indígenas e territórios recentemente contabilizados como províncias (Patagonia, Chaco, Misiones). E enquanto a população considerando todo o território vai quadruplicar em 40 anos, na cidade de Buenos Aires, o aumento será 7 vezes maior, saindo de menos de 200 mil em 1869 para 1 500 mil em 1914.

Essa mesma transformação da região de Buenos Aires de casas dos donos das plantações e das cabeças de gado para um dos principais portos de chegada de imigrantes no continente também vai transformar a música da milonga para o tango.

O tango tem muitas raízes. Uma muito óbvia é a habanera, como na ‘Carmen‘ de Bizet. Mas em Buenos Aires se misturou com os ritmos locais. A transição do ritmo da habanera na milonga da cidade (e depois o tango) está bem clara na Milonga Sentimental.

Também tem raízes no campo das Pampas e nos ritmos do subúrbio das cidades portenhas de Montevidéu e Buenos Aires. Tem raízes afro, assim como dos modos de tocar a guitarra do interior do país. O tango já é filho da cidade, onde se mistura a vida no porto, a experiência dos ex-trabalhadores do campo agora no subúrbio da cidade. Com os imigrantes entram outros instrumentos como o piano, o violino e o que depois será o grande representante do tango: o bandoneon.

O tango é filho do imigrante querendo subir na vida, vivendo na região do maior porto exportador do país. Quando o ritmo se populariza é o endinheirado que vai levar a cultura tanguera para o mundo.

Muitas letras como ‘Garufa’ ou ‘Niño bien’ relatam a vida de pessoas que fingem ter mais posses, outros relatam a saudade do campo como Adiós Pampa Mía ou Caminito.

E o tango também carrega o machismo dessas culturas (ah, não, como assim o tango machista?).

Inspirado nas danças parisienses, um dos bares famosos do centro de Buenos Aires é o ‘Bataclán’.

‘Bataclán’ passou a ser sinônimo desse homem de dinheiro, os filhos dos poderosos donos de fazendas de gado do interior. Já as bataclanas eram as mulheres dos coros das bandas de tango que cantavam e dançavam nos cabarés por algumas moedas dessa riqueza toda, o que passou a ser um sinônimo de ‘interesseira’.

O tango, aquele filho bastardo duas ruas de terra, das apostas de cavalos e dos prostíbulos portenhos, é meio-irmão de outro filho nem sempre querido do baixo porto da cidade: o lunfardo. O lunfardo é a gíria do porto que vai ganhar a cidade.

Lunfardo. Já pelo nome nota-se que é um filho bastardo do lombardo. Seus pais que nunca o reconheceram, são as línguas que os colonos trouxeram para a cidade.

O italiano, como em ‘gambeta’ para o movimento rápido nas pernas, primeiro no tango, depois no drible no futebol.

Também do bantu como em canyengue, aquele andar malevo, o que em terras luso americanas será o andar de malandro.

Ou ainda canchero, que é alguém que tem cancha, do quechua para … cancha, área aberta quadrangular para jogar jogos, depois identificado com o campo de futebol.

Até o francês como em ‘morfar‘ (comer, como o ‘morfer’, comer com voracidade). Ou talvez venha do italiano, assim como ‘el bacán’ que vem do genovês ‘chefão’.

Tem até palavras do caló, o dialeto romani falado no sul da Espanha como em ‘chamuyo’, conversa fiada ou paquera.

No lunfardo também aparece a inversão das sílabas (não se diz tango, se baila el gotán, não se paga uma dívida, tem que ‘garpar‘).

Já nos anos 30, no meio das duas guerras e com Argentina numa lenta queda desse primeiro sonho de grandeza, é feito o primeiro filme sonoro argentino, que retrata justamente essa vida porteña: “Tango!”. Nele aparece a dança do tango que já era febre na Europa. E também a briga entre os ‘machos’, e entre elas, as mulheres. A protagonista da primeira parte do filme era uma estreante, bataclana famosa no arrabal (o subúrbio) e que depois será uma das grandes vozes do tango: Tita Merello.

Laura Ana ‘Tita’ Merello pode ter nascido em 1904, ou talvez antes, no subúrbio de Buenos Aires, de família uruguaia muito pobre. Seu pai motorista morre de tuberculose com ela ainda criança, e sua mãe não conseguia mais sustentar os filhos. Tita vai para o orfanato e depois para o interior, onde com 9 ou 10 anos trabalha ‘como um mocinho’, e onde não tem nem descanso, nem paga mais do que agradecer um lugar para dormir e um pouco de comida. Mais tarde e com a mãe novamente casada, vai reencontrar os irmãos e morar num ‘conventillo’, as favelas no centro de Buenos Aires.

<entrevista de Tita sobre primeiros anos>

De jovem frequenta o Bataclán para dançar, ganhar alguns poucos pesos e tentar fugir da miséria. Com pouco menos de 20 anos, entre namorados, danças e primeiros tangos que a deixavam cantar, são amigos que a ensinam a ler e escrever. Até lá só diferenciava a O da A.

Se destaca como corista e começa a cantar os seus primeiros tangos nos anos 30, no auge da primeira onda do tango na pós-guerra. A fome a empurra a se destacar. Ela mesma se diz tímida mas que teve que sair peitar a vida.

Tita fez parte de uma leva de mulheres cantantes de tango junto a Azucena Maizani, Rosita Quiroga, Libertad Lamarque, Ada Falcón, Mercedes Simone entre outras, onde ela não tinha os melhores dotes musicais, mas sobrava personalidade, presença de palco e força pessoal. Mesmo desprezada nos primeiros anos e continuando pela pura teimosia em sobreviver, começa a interpretar tangos com o seu toque pessoal e maestria na mudança de tons, declamando e mudando o ritmo, destacando uma frase ou cantarolando com suavidade a depender do seu humor.

É dessa forma que vai sair dos cabarés e entrar no teatro, se apresentando em pequenas peças no centro de Buenos Aires. Mas sua grande estreia será mesmo o filme ‘Tango!’, mesmo que seja uma das protagonistas, seu nome aparecia depois dos grandes nomes do teatro como Libertad Lamarque e Pepe Arias.

É um filme muito musical (são cantados seis ou sete tangos no filme todo) com um roteiro de costumes, um conflito pela luta do amor de Tita entre o galante cantor do bairro e um ‘guapo’, um mini mafioso da região. Eles atuam com os seus próprios nomes, Tita Merello faz de ‘Tita’, Pepe Arias de ‘Pepe’ e assim por diante. Entre cena e cena são tocados vários tangos onde Tita canta 2: “Yo soy así p’al amor’ e ‘No salgas de tu barrio’, onde são também apresentadas as mais famosas orquestras. O filme não paga muito, mas a fama que dá é o suficiente para catapultar os protagonistas para o estrelato. Além disso vai abrir as portas para vários outros filmes que ela vai fazer, em geral comédias de costumes descrevendo a sociedade portenha, as dificuldades financeiras, o dilema entre deixar ‘o bairro’  e ser famoso ou se manter nas raízes, etc.

O filme catapultou os protagonistas e ‘de yapa’ ou seja ‘como um chorinho’, ‘como um plus a mais’, ajudou a difundir mais ainda o tango no mundo e aos filmes argentinos. Vai ser a era de ouro do tango que uma nova leva de intérpretes vai aproveitar.

O próximo que fará um filme será Carlos Gardel (Cuesta Abajo, dirigido pelo francês Luis Gasnier, cineasta do filme mudo que fará vários filmes com Gardel e depois irá sumir). O roteiro e várias das músicas do filme Cuesta Abajo foram originalmente escritos pelo paulistano Alfredo Le Pera, nascido no italiano bairro do Bixiga e que migrou para Montevidéu e depois mudou para Buenos Aires, e era um grande entusiasta do tango e da milonga. Gardel também representa ‘Carlos’. Há um quê de autenticidade dos músicos mostrarem seu modo de vida e suas lutas junto com suas canções. São manifestos que inauguram o cinema representando a região, onde o tango joga um papel principal, e serão essas fontes para outros autores no futuro que farão filmes junto com a sua arte. Neste filme Gardel canta uma milonga na forma dos antigos payadores, também escrita por Alfredo Le Pera: ‘Criollita decí que sí’, pelo qual dá para ver como milonga pampeana, e tango estão emparentados.

Outro grande tango, um dos mais famosos do mundo, é composto por Carlos Gardel e Alfredo Le Pera: Por una cabeza, comparando a luta de um amor desenganado com as corridas de cavalos ganhas por uma diferença mínima, a cabeça do cavalo…

Gardel nessa época fará muita fama, até morrer tragicamente num acidente de avião na Colômbia.

Tita vai conhecer um dos grandes amores de sua vida nas filmagens de ‘Tango!’, Luis Sandrini, comediante que no filme faz de link cómico entre os personagens. Tita e Sandrini irão viver e trabalhar juntos por mais de uma década, mas depois irão se separar.

Depois do filme Tita Merello assim como as orquestras irão se apresentar e gravar muitos discos, praticamente dominando a produção musical da época. As orquestras se multiplicam, viajam e conquistam o mundo. A segunda guerra vai por o mundo em suspenso, e enquanto Odeon e outras produtoras vendem , vendem e vendem discos, Tita canta na orquestra de Canaro e investe na carreira de atriz, participando de várias peças teatrais.

A época do teatro coincide com o auge do peronismo e há quem diga que sua amizade com Hugo del Carril (músico que compôs a marcha peronista) foi crucial para sua carreira. Mas na verdade Tita era independente, embora fosse bom para o regime valorizar pessoas simples que se coroam a partir do seu esforço individual. Era mais o peronismo que ganhava com os holofotes em Tita Merello do que o contrário.

Sabendo que não era a mais técnica das cantantes, sempre apostou no seu estilo interpretativo, pessoal, declamativo e não lírico ou floreado. Isso também ajudava na sua imagem de arrabalera, de cantante de bairro e que se destacava pela sua personalidade e presença. Tita como alguém que veio de baixo, demorou muito para se destacar e o seu auge acontece com uma Tita quarentona. Por ela ter investido na carreira de atriz e no teatro, passa a ser notada novamente pelos diretores, numa nova onda de filmes argentinos na era Perón.

Nessa época fez sucesso a peça italiana Filomena Marturano, e Tita vai protagonizar a versão filmada em castelhano, do mesmo nome. O roteiro é de uma mulher que finge morrer para se casar e desfrutar todo o dinheiro que o endinheirado pretendente guardava e nunca se casava (em algumas versões também é a dona do bordel que o magnata frequentava). A mesma peça foi filmada por Vittorio de Sica como ‘Casamento à italiana’ com Marcello Mastroianni e Sofia Loren já nos anos 60. Segundo alguns, Filomena Marturano foi o motivo da separação com Luis Sandrini, ele queria que ela fosse para o México com ele, e ela queria ficar e trabalhar, afinal nunca foi mulher de seguir um homem.

Quem aposta na Tita Merello atriz é Lucas Demare, que tem uma série de roteiros e os filma entre finais dos 40 até 55. O primeiro é ‘Los isleros’ onde Tita tem o maior papel dramático que já lhe deram, onde faz ‘La Carancha’, uma mulher de temperamento forte que reflete as pessoas do interior sofrendo a vida difícil nas ilhas do Paraná.

Entre esses filmes, já nos anos 50 no final do governo Perón, estreia ‘Mercado de Abasto’ com Tita como protagonista, uma mulher do subúrbio lutando por manter o seu negócio. Primeiro canta ‘Arrabalera’. O arrabal é o subúrbio da cidade. Depois canta outra canção mais antiga que tinha pedido para o autor adaptar para uma voz feminina: ‘Se dice de mí’.

Se dice de mí‘ foi escrita por Ivo Pelay e cantada primeiro pelo Carlos Roldán, cantor uruguaio de tango dos anos 40 :

Se dice de mí... se dice de mí... Se dice que estoy fiero, que camino a lo malevo que soy chueco y que me muevo con un aire compadrón. Que parezco el negro Acosta que mi napia es puntiaguda que la pinta no me ayuda que mi boca es un buzón. Si miro a Renée, a Luisa, a Mimi, las chicas están hablando de mí. Critican si ya la línea perdí, se fijan si voy, si vengo o si fui. Se dice que estoy fiero, mas si el pibe no interesa, ¿por qué pierden la cabeza ocupándose de mí? Yo se que muchas que desprecian, comprar quieren y suspiran y se mueren cuando piensan en mi amor. Y más de una se derrite si suspiro y se queda, si la miro, resoplando como un Ford. Si fiero soy, pongámosle, que de eso aun no me enteré. En el amor, yo sólo se que a más de diez dejé de a pie. Podrán decir, podrán hablar y murmurar aunque rebuznar, mas la fealdad que Dios me dio mucho Don Juan me la envidió. Y no dirán que me engrupí porque modesto siempre fui. ¡Yo soy así!

Mas a versão feminina vai ganhar tanto destaque que nunca mais a versão masculina será reproduzida. 

Versión Tita Merello : 

Se dice que soy fiera, que camino a lo malevo Que soy chueca y que me muevo con un aire compadrón Que parezco Leguízamo, mi nariz es puntiaguda La figura no me ayuda y mi boca es un buzón Si charlo con Luis, con Pedro o con Juan Hablando de mí los hombres están Critican si ya la línea perdí Se fijan si voy, si vengo o si fui Se dicen muchas cosas, mas si el bulto no interesa ¿Por qué pierden la cabeza ocupándose de mí? Yo sé que muchos que desprecian, comprar quieren Y suspiran y se mueren cuando piensan en mi amor Y más de uno se derrite si suspiro Y se quedan si los miro, resoplando como un Ford Si fea soy, pongámosle Que de eso aún no me enteré En el amor, yo solo sé Que a más de un gil, dejé de a pie Podrán decir, podrán hablar Y murmurar, y rebuznar Mas la fealdad que Dios me dio Mucha mujer me la envidió Y no dirán que me engrupí Porque modesta siempre fui Yo soy así Y ocultan de mí Ocultan que yo tengo unos ojos soñadores Además otros primores que producen sensación Si soy fiera, sé que en cambio, tengo un cutis de muñeca Los que dicen que soy chueca, no me han visto en camisión Los hombres de mí, critican la voz El modo de andar, la pinta, eje, la tos Critican si ya la línea perdí Se fijan si voy, si vengo, o si fui Se dicen muchas cosas, mas si el bulto no interesa ¿Por qué pierden la cabeza ocupándose de mí? Yo sé que muchos que desprecian, comprar quieren Y suspiran y se mueren cuando piensan en mi amor Y más de uno se derrite si suspiro Y se quedan si los miro, resoplando como un Ford Si fea soy, pongámosle Que de eso aún no me enteré En el amor, yo solo sé Que a más de un gil, dejé de a pie Podrán decir, podrán hablar Y murmurar, y rebuznar Mas la fealdad que Dios me dio Mucha mujer me la envidió Y no dirán que me engrupí Porque modesta siempre fui Yo soy así

Essa é a versão que a novela colombiana ‘Yo soy Betty la fea’ utilizou para suas versões da música de apresentação da novela, inclusive imitando o estilo de Tita declamando mais do que cantando a melodia.

Betty era a moça empurrada para o canto que o mundo das beldades vazias transforma numa invisível pantomima de si mesma, mas é nessa revelação que o público se identifica. É diferente da versão de 50 anos atrás mas está mais próxima da versão feminina do que da original. É uma das novelas mundialmente mais conhecida, a novela  que mais versões teve ao redor do mundo.

A versão em português interpretada por Sarah Regina para a novela é uma adaptação livre direcionada para a personagem da Betty, há algumas adaptações, mesmo que o espírito da música tenha se mantido.

A primeira estrofe é praticamente igual. Na original Tita menciona Leguizamo que era um famoso jóquei narigudo, na versão para a Betty a letra diz ‘meu andar desengonçado meu nariz é engraçado minha voz é de trovão‘.

O ‘andar malevo’ é uma expressão mais para um andar malandro, que era mal visto numa mulher, e ainda na gíria rioplatense do lunfardo, uma gíria que as ‘moças de bem’ não falariam.

No caso de ‘Betty a feia’ o final da música aceitando que é feia mas tem personalidade cabe muito bem no personagem. No caso da interpretação de Tita Merello foi mais uma aceitação de que precisava se impor num mundo hostil, seja por ser um ambiente machista como por ser difícil por ser uma mulher pobre. Segundo algumas pesquisas utilizando a venda de vinil e de músicas tocadas no rádio, foi a música mais ouvida na Argentina de ’43.

A última versão da novela fez uma adaptação ainda mais ‘salsera’ e modernizou toda a melodia, sem tirar o espírito original.

Nos anos 50 Tita vai trabalhar na Argentina e no México, como atriz, ao mesmo tempo que grava as versões consolidadas dos tangos que sempre cantou, com as bandas consagradas como a de Francisco Canaro. Mas pouco tempo depois se aposenta das gravações a aparece cada vez menos na vida pública. A fama chegou tarde para uma Tita já madura, uma cinquentona que precisava descansar e organizar sua vida.

Já nos anos 80 chegou a aparecer novamente na TV e frequentar os canais de televisão, mas depois se afastou para sempre das câmeras (nelas teve um programa em que recomendava às mulheres a fazer o Papanicolau). Não tendo família, doou sua não tão grande mas modesta fortuna para a fundação Favaloro antes de falecer placidamente na véspera de Natal de 2002.

Tita sempre foi contra o protótipo da mulher submissa, trabalhou de tudo para sobreviver , foi levada pela fome a cantar e assim viveu os tangos que sempre amou, não se prendeu a homens nem na sua carreira nem na vida pessoal.

Com o declínio do tango nos anos 60 soube se preservar sem perder a essência de rebeldia do subúrbio que levou no seu sangue até o fim da vida, e ainda renasceu dando sua interpretação para um dos programas de TV mais vistos no mundo.

Referências:

1 Alberdi, Juan Bautista, “Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina”, capítulo XIV (“Acción civilizadora de la Europa en las Repúblicas de Sud-América.”)

2 Alberdi, Juan Bautista, “Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina”, capítulo XV (“XV DE LA INMIGRACIÓN COMO MEDIO DE PROGRESO Y DE CULTURA PARA LA AMÉRICA DEL SUD.“)

3 Censo argentino de 1869

4 Censo argentino de 1914

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