Transcrição do episódio: A disciplina que faltava ao rei carmesim

A banda inglesa King Crimson encerrou sua atividade após as apresentações dos últimos discos “Starless and Bible Black” e “Red”, lançados quase simultaneamente no começo e no fim de 1974. Curiosamente o nome de duas cores: Bible Black é o negro das capas das bíblias., e red, bom, vermelho.

A última encarnação da banda foi um power trio formado por Bill Bruford na bateria, o baixista John Wetton e Robert Fripp nas guitarras. Fripp era o último remanescente dos fundadores da banda como Pete Sinfield e os irmãos Peter e Michael Giles. Eles estrearam em 69 como banda revelação em apresentação dos Rolling Stones e álbum a álbum se tornaram a referência do rock progressivo, mudando de formação e de proposta a cada nova obra.

Bruford tinha deixado a lendária banda “Yes” para formar parte da banda dos seus sonhos lá por 73. Nessa época King Crimson tinha duas percussões: a bateria ‘convencional’ de Bill Bruford, e a percussão de Jamie Muir, que abandonou a vida de banda de rock para virar monge budista, o que deixou Fripp intrigado. Jamie Muir era tão genial quanto inconstante, uma personalidade oposta ao Fripp da contenção e da ordem. Sua personalidade influenciou fortemente a banda até o ponto do Bill Bruford afirmar que foi Muir que lhe ensinou que a música não servia ele, ele devia servir a música.

Fripp já lia alguns dos filósofos místicos como J. Bennet, discípulo de Gurdjieff, que rejeitavam as luzes da fama, e propunha uma volta a princípios básicos de harmonia (musical e espiritual) onde a música era sumamente importante tanto para a descrição do universo quanto para a revelação pelos humanos dessa ordem cósmica.

George Gurdjieff foi um filósofo grego/armênio do início de século que escreveu vários livros, principalmente a trilogia ‘Relatos de Belzebu ao seu neto’, ‘Encontros com homens notáveis’ e ‘O mundo só é real quando Eu Sou’. Na liturgia algo hermética que envolve Gurdjieff, há um papel importante entre geometria, música e dança. Uma descrição teatral famosa é o filme ‘Encontro com homens notáveis’ de Peter Brook, baseado no livro de Gurdjieff.

King Crimson foi sempre uma banda diferente, onde reinventar a roda era a rotina, onde descobrir caminhos não convencionais era a busca constante. Violinos e oboés misturados a baixos heavy, guitarras rítmicas ou de solos épicos, bateras duras como parede ou percussões sutis, dependendo da ocasião.

Não tinham os holofotes de um Yes ou um Genesis, não arrastavam fãs como os Beatles, Rolling Stones ou Elvis, nem faziam singles matadores como um Neil Diamond ou um Elton John. Mas eram ouvidos principalmente por outros músicos para entender as tendências futuras de quem pegava as influências de um Doors, um Deep Purple e lhe davam outra profundidade, talvez só disputando nessa profundidade com outra das referências, os floyd rosa dos Pink Floyd.

Mas precisavam tirar álbum trás álbum numa esteira de produção, só trabalho sem diversão deixavam Fripp um menino chato.

A indústria da música, que sempre pede mais e mais, essa procissão machacante de rimas para te conquistar, pede coros, vamos fazer mais um solos memorável, estrofes, quero estrofes com frases de efeito, lalalás e trililís e dududuus… 

As desavenças com a indústria fonográfica, a sua lógica de triturar a maior quantidade de ouvidos utilizando a menor quantidade de esforço técnico possível e explorando os músicos ao máximo, já eram conhecidas reclamações do grupo e são evidentes nas músicas como Lament ou Easy Money de Lark’s tongues in Aspic. Então em 74 para Fripp era insustentável manter uma banda, seus projetos pessoais e os desejos da indústria ao mesmo tempo.

Decidido a se afastar dos holofotes das bandas de rock, Fripp entrou num clima similar ao Muir e deixou claro que depois das apresentações em 1975 e da gira norte-americana, a banda ia acabar. Quando indagado, ele disse que não tinha mais nada para dizer como King Crimson. Era também uma posição contra a pressão da indústria, quando acaba o material, não adianta forçar, a criatividade é que tem que ditar para onde continuam os anseios, e não uma esteira de produção contínua. Não ia mais dar esse dinheiro fácil para a indústria. 

E assim acabou. Bruford foi de Yes para King Crimson para desempregado em tres anos. John Wetton tocou com Phil Manzanera, andou pelo mundo e depois iria fazer parte da formação mais famosa de sua carreira: o chamado supergrupo Asia (por se juntar ao Steve Howe, ex do Yes e Carl Palmer do ex Emerson, Lake & Palmer).

Nesta época outras bandas do progressivo lançaram discos menos criativos e afundaram em crises, demorando a perceber que os rumos eram outros.

É claro que Fripp não terminou sua carreira musical. Ele só queria continuar low profile, se concentrar num projeto pessoal (The Guitar Craft), ensinando suas técnicas de violão e fazendo concertos só com guitarras, alinhado à filosofia Gurdjieffana dos paralelos da música com a ‘ordem cósmica’ mas interpretados de uma forma muito pessoal, algo onde caos e cosmos parecem estar em constante dança.

Peter Gabriel o chamou para colaborações, como na mensagem premonitória sobre as mudanças climáticas “Here Comes the Flood”. Participou também do álbum turning point de Brian Eno “Another Green World” assim como tinha colaborado nos outros álbuns solo de Brian Eno “Here comes the Warm Jets” e “Taking Tiger Mountain-By Strategy”. “Another Green World” foi o álbum pelo qual David Bowie se sentiu atraído pela sonoridade que desencadeou a ‘trilogia Berlim’.

Fripp e Eno já tinham feito um álbum instrumental no limiar do psicodélico, algo que depois se convencionou chamar de ambient music, mas que não é algo aprazível para se ouvir num inocente elevador.

Fripp estava trilhando por várias alternativas ao mesmo tempo:

  • No final de King Crimson se aproximava a algo que hoje chamamos de math rock com sua peça que beira a impossibilidade de execução chamada “Fracture” que também é a realização conceitual desse conflito e dança cósmica cosmos versus caos.
  • Outra vertente era a construção de ambientes sonoros a partir de efeitos como o Frippertronics e o ambient music. Ele tinha aperfeiçoado um efeito de justaposição de guitarras usando fitas e samplers, utilizando algo similar inclusive na famosa guitarra de “Heroes” de David Bowie, mesmo que tenha sido por acidente do Tony Visconti que a geringonça tenha feito a sua magia daquela vez. 
  • E também no final de King Crimson havia uma clara expressão de raiva contida mas profunda como em Fallen Angel, assim como revelações quase demoníacas e claras de um fim apocalíptico como em Red. É o lado revelador e demoníaco do rei carmesim caindo no hard rock.

Essas tendências ficam todas evidentes no seu disco solo “Exposure”.

Assim passaram os anos dos finais dos 70, enquanto Fripp refletia sobre os rumos musicais e filosóficos, assim como o famoso livro de Gurdjieff, tinha encontros com notáveis como Bowie, Eno, Debbie Harry dos Blondie e entre eles Peter Gabriel. A sua guitarra fica evidente em músicas como “Not One of Us” e “I don’t remember”.

É nessa época que Fripp fica de olho em Tony Levin, o baixista da banda de Gabriel. Tony Levin tinha desenvolvido uma técnica pessoal de tocar o Chapman Stick com as duas mãos. O stick é exatamente isso, um pau, melhor seria dizer que é uma tábua, com 10 ou 12 cordas, elétrico e portanto que pode ser tocado pulsando ou pressionando as cordas. Dessa forma é possível pressionar cordas ao mesmo tempo, pontuando com uma mão e marcando o ritmo com a outra. Fripp o conheceu na época das colaborações com Peter Gabriel e numa delas há um bom exemplo de como funciona esse solar e marcar o ritmo ao mesmo tempo na música onde tocam juntos, “I don’t remember”.

Enquanto isso, Bill Bruford também vinha experimentando tocar duas baterias, uma acústica e uma eletrônica, ambas do mesmo fabricante -Simmons Drums. Isso lhe dava uma sonoridade totalmente nova ao que ele já fazia. Além disso, ele queria voltar a sua base no jazz, como havia começado, antes do progressivo.

Fripp então ainda indeciso montou duas diferentes iniciativas: depois de dois discos solo, forma a banda ‘The league of gentlemen’ numa das claras contradições que gosta de propor, uma banda de pós-punk de riffs intrincados com uma bateria punkera básica de Kevin Wilkinson, o baixo brilhante de Sara Lee e o teclado hipnótico de Barry Andrews. É um pós-punk quarteto básico, só instrumental, que mistura os arpejos impossíveis de Fripp com escadas dissonantes e harmônicos fatais. A banda se apresentou em vários lugares da Europa com o Fripp de gravata preta, camisa branca sentado na butaca, os meninos prodígios londrinos dançando junto com o público algo que não era punk mas era sim, não era sinfônico mas era também.

No segundo álbum chamado “God save the king” pediu para o líder dos Talking Heads, David Byrne, cantar a letra de “Under Heavy Manners” (letra? sequência de tendências psicológicas/seitas/movimentos políticos).

Os arpejos e escadas harmônicas indo e vindo no estúdio, David guitarrista, Robert guitarrista, a conversa sobre guitarras que se entrechocam deve ter surgido e um nome apareceu desse papo: Adrian Belew.

Adrian é uma raridade da natureza, um ser musical composto quase completamente de emoção misturado com técnicas avançadas tiradas do próprio trato intestinal já que não lia partitura naqueles dias. Fez parte da banda de Frank Zappa, daí colaborou com Talking Heads, onde Brian Eno o conheceu.

Um belo exemplo da colaboração em conjunto é o disco de Talking Heads produzido por Brian Eno, o inclassificável “Remain in Light”, entre o new wave , o funk e o progressivo. Nas músicas “The Great Curve” e “Born under punches” há um solo bem característico de Adrian Belew.

Brian Eno deve ter dito para si mesmo “hmmm este americano é realmente so interesting”, comentou com Bowie, Bowie foi num show onde Belew o abordou e Bowie então o surrupiou de Zappa na caradura, e assim Belew andava pelo mundo, tocando e surpreendendo.

O relógio dos arpeggios impossíveis poderia dar liga com o monstro voador que é o Belew compondo e interpretando ?

Fripp apostou e fizeram algumas audições, e os intrincados laberintos frippianos eram estudados e atacados pelos drones psicodélicos de Belew.

Robert Fripp então considerou criar um nova banda com Tony Levin no baixo, Bill Bruford novamente na bateria e percussão, e mais a guitarra de Adrian Belew. Adrian queria ter um toque mais pessoal então ele iria ser lider como vocalista e mais tarde letrista das composições. Estava assim formada a nova banda Discipline.

Os ensaios ocorriam numa velha casa de familia de Fripp na pacata cidade natal de Fripp, Wimborne, no interior da velha Inglaterra, uma casa segundo as palavras do Fripp ‘de paredes grossas, se ensaiarmos num quarto não se ouve nada na cozinha’.

A banda também ia dar possibilidade de todos de brilhar. Tony Levin queria soltar todas as possibilidade que o seu stick podia lhe dar. Bruford estava entusiasmado em programar sua bateria eletrônica para soar a algo completamente novo. Belew além de o seu caos sonoro na guitarra, queria poder fazer algo que não tinha  oportunidade, sempre tocando nas composições dos outros. Queria compor, participar das ideias criativas, no som e nas letras, se destacar como primeira voz do grupo, com Levin nos coros.

E Fripp queria tudo isso porque preferia produzir o background musical e filosófico da banda. Curiosamente Fripp e Belew tocam o mesmo modelo de sintetizador na guitarra Roland GR-300, mas elas soam de formas completamente diferentes.

Para a produção e gravação do álbum em estúdio em New York foi contratado Rhett Davies, que já tinha uma enorme ficha corrida na engenheria de som na inglaterra. Tinha feito o primeiro álbum do Phil Manzanera, os álbuns solo de Brian Eno como Taking Tiger Mountain e recentemente tinha participado como o engenheiro de som da gravação de “Remain in Light” dos Talking Heads.

Elephant Talk

A primeira faixa é “Elephant talk” a partir dos efeitos de guitarra de Belew parecendo um elefante, e a letra caótica de Belew sobre conversas sem nexo. A faixa começa apresentando uma impossibilidade sonora, só possível pelo stick e pela genialidade de Levin. O indistinguível golpe seco de Bruford agora combina com uma bateria eletrônica num ritmo que quase podemos dançar. Misturando a bateria acústica com a eletrônica consegue criar um novo universo sonoro ao som de uma bateria até então desconhecida para o grande público.

Há algo incômodo na ambientação que parece acontecer num planeta distante, como se tivessem roubado novas notas musicais a um extraterrestre.

Há ritmo, há rimas, há um solo, mas ainda estamos num solo estranho e excitante.

E quando estamos quase por nos acostumar, o som termina.

Era outro mundo. 

Pensar que King Crimson soava a algo assim…

(Starless)

…e agora Discipline era o som de um novo mundo.

(Frame by Frame)

Frame by Frame

O arpejo da guitarra de Fripp marca o ritmo, o baixo passeia como um polvo arcturiano enquanto a bateria marca um ritmo quase terrestre. Levin faz os coros levantando a bola para o Belew brilhar, quadro a quadro.

Eu sei que é muita coisa. O baixo de polvo arcturiano e o arpejo de Fripp provoca isso.

No começo do math rock eu também ouvi o termo science rock e esta música para mim descreve o estudo meticuloso de um cientista então para mim sempre será um match science. Mesmo que venha do espaço, de algum lugar novo, certamente este extraterrestre é cientista. A proposta da letra é essa, quadro a quadro, pipeta a pipeta, desmenuçamos os elementos para descrever a realidade objetiva, na nossa análise.

O final de Frame by Frame é como um emaranhado de visões, uma justaposição de guitarras, uma trama entrelaçada de um vestido de Ganímedes.

Matte Kudasai

Belew nos traz de novo mas agora numa praia deserta, banhada de sol onde podemos ver as gaivotas e nos deliciar na vista que Bruford calidamente nos brinda num ritmo apaziguante e cálido, que Fripp pinta de cores suaves.

Ela espera no ar, Matte Kudasai, canta Belew, espera por favor (em japonês), numa America triste. Uma música terna e melancólica, tocada com uma delicadeza que nos faz sonhar e achar que o resto do álbum será calmo. Mas é o momento em que se permitem se sentir uma banda pop fazendo um ‘lento’ clássico dos 80.

Indiscipline

Mas quando menos se espera, é aí que surge a indisciplina de Bruford. Indiscipline é uma peça de jazz tocada por insanos orcos que nos arrastam à loucura. 

A letra fala de algo. Algo que nos obsesiona. Que olhamos por horas, e que não olhamos e já nos agarrou.

A letra foi um insight de Belew, que pegou a carta de sua esposa da época, e retirou todas as menções do objeto da carta (era uma escultura que ela estava produzindo). Mas a genialidade está aí, retirando o objeto do culto, fica a obsessão. A obsessão que o objeto produz ao ser criado, o vórtice de nossa criação que nos envolve, ao criar algo que a indisciplina nos arrasta inevitavelmente por recovecos atalhos e trilhas que

E ele gosta.

Entre os meus gostos secretos, uma confissão: eu sou adorador de solos de bateria.

Sim, vc pode gostar de velejar, de jogar tazo, de ver partidas de handebol. ou gosto de solos de bateria.

E Indiscipline rendeu muitos solos, entre eles un em Fréjus em 1982 como introdução a Indiscipline. Busquem na net, seus adoradores de solos de bateria, porque é imperdível. Robert Fripp de gravatinha borboleta sentado na clássica butaca le dá um outro tom ao solo também.

Assim terminava nos idos dos anos de 1980 o primeiro lado de uma bolacha preta que chamávamos vinil e que tinha a particularidade de poder virá-la e continuar ouvindo. Em certos casos ouvindo a mesma vibe que tinhamos ouvido no primeiro lado, mas em certas circunstâncias virar o disco era entrar em outra dimensão.

Thela Hun Ginjeet

Uma das primeiras músicas criadas pelo grupo passou a abrir o lado B.

Em 1980 John Lennon morreu assassinado covardemente na porta de sua casa por uma mente desequilibrada. Um músico que sempre se expôs e que falava sem filtro com fãs, detratores, políticos e admiradores da mesma forma. Essa morte desnecessária, violenta em muitos sentidos, isso chocou a todos e transformou tanto a música, os músicos em si, e NY definitivamente seria para sempre uma cidade perigosa.

Com esse sentimento começaram a esboçar Thela Hun Ginjeet (um anagrama de Heat in the Jungle, a selva de pedra).

Já na gravação definitiva do álbum em Londres, Adrian Belew saiu para se inspirar levando um gravador e falar frases nele. Enquanto gravava coisas como ‘ele tinha uma arma’ e ‘este é um sítio perigoso’, ele virava a esquina errada e entrava na rua errada. Um par de caras o olharam, talvez trocavam alguma substância e se sentiram ameaçados. Abordaram Belew, ‘o que tem nessa fita, o que está gravando ?’. ‘Toca ela!’ ‘Ah, não‘, pensou Belew. Tocou a fita: ‘este é um sitio perigoso’. 

– “Que sitio perigoso, que arma, você é policial!”, gritou um deles.

– Olha, estou gravando um álbum, estou nesta banda, entende? …gravando sobre as ruas de NY, entende ? Enfim, quanto mais explicava, pior ficava. Felizmente me deixaram ir. Olha, estou tremendo até agora…

Desse jeito voltou ao estúdio, em pânico, e contou para os músicos e técnicos o que tinha acontecido. Só não sabia que Fripp silenciosamente pediu para um técnico no estúdio deixar a fita rolar e gravar Belew falando. Suas falas reais, descrevendo o momento, estão na música para sempre descrevendo a sua descrição. Nada mais cru para esse sítio perigoso.

É a música mais crua, feito do jeito indiscutivelmente real onde a imaginação dá uma espiadela perigosa para a realidade, que nos devolve a sua face mais cruel.

The sheltering sky

A próxima música é uma peça instrumental de mais de oito minutos chamada ‘The sheltering sky’.

Aqui estamos num novo progressivo, profundo, moderno, mas que precisa da paciência do ouvinte -que nos 80 já era impaciente e que imagino que em no segundo quinto do século XXI não tem mais paciência para deixar ouvir e se deleitar.

Podemos imaginar uma noite sem luz artifiais de estrelas cobrindo o firmamento. De fato a mṹsica é inspirada no livro de Paul Bowles que descreve as aventuras e desavenças dos personagens acontecendo no desconhecido, alheio e às vezes perigoso (para eles) norte da África. Alheio e perigoso porque justamente a arrogância dos americanos em viagem faz parecer que qualquer lugar é lugar.

O livro foi levado às telas do cinema por Bernardo Bertolucci nos anos 90.

Bruford marca o ritmo com um pequeno prato eletrônico que soa como uma campainha -ou um metromano-e faz a percussão usando somente um tambor de fenda (ou slit drum). O baixo de Levin descreve a paisagem noturna, calma e perigosa, enquanto as guitarras passam por vários sentimentos e discussões. Já ouvi a música diversas vezes, sei o que elas dizem, mas mesmo assim cada vez me tocam de formas diferentes.

Discipline

Curiosamente, a música que fez a banda começar, fez com que a banda termine.

‘Discipline’ é a última faixa no álbum, uma das primeiras composições quase completas quando a banda começou. A faixa, inspirada no gamelan indonésio que também remete às danças dos grupos de Gurdjieff, não tinha nome ainda.

Fripp tinha escrito ela como a trama ou textura numa tela. Na primeira parte as guitarras se justapõem numa assinatura em 5/8 que se ‘encontram’ enquanto o baixo e a bateria estão num 17/16 então mais passam do que se encontram. Essa relação entre a batida e e a periodicidade com que o conjunto de notas se repetem é essa assinatura, e no math rock os músicos brincam de fazer coisas que não sejam triviais 4/4 ou 4/8.

Você pode pensar que é tão somente um capricho musiquês mas toda armonia e música afinal nos comunica coisas e aqui a comunicação se dá em texturas, como construir e ver um tear de cores e tecelagens de diferentes países.

Na segunda parte é o baixo que descreve a melodia do entrelançado, para depois voltar à primeira parte e a textura nos cobrir numa disciplina que é executada como um desafio até hoje pelos dançarinos de guitarras do math rock. É por isso que Gurdjieff, geografia, matemática e música estão aqui descritos e é esta fascinação de uma disciplina aparece, como descrita no álbum como um substítulo a modo de aviso: “a disciplina nunca é um fim em si mesmo, somente um meio de alcançar um fim“.

Este entrelaçado, esta textura era que Fripp procurava, e por onde convergem as tres linhas que Fripp explorava (ambient music, pós-punk e o math rock, no caso de Discipline, praticamente inaugurando o gênero).

Mas Fripp -e a banda- perceberam que na verdade, Discipline era não só um novo progressivo, e sim um novo King Crimson onde suas características estavam plasmadas música a música.

Além disso Discipline mantinha a tradição de King Crimson dos últimos álbuns de começar ou ter no lado B uma peça instrumental de 7, 8 minutos, fruto de improvisações da banda. E outras características da banda como  os momentos de caos que culminam numa armonia, como no final de “21 first century Schizoid Man” e o começo de “Talking to the wind”, ou entre “Lark’s Tongues in Aspic” seguida de “Book of Saturday”, “Pictures of a city” e “Cadence and Cascade”, e outros exemplos similares.

O mesmo acontece agora entre Frame by Frame e Matte Kudasai.

Também as peças longas e intensas com improvisos de todos os instrumentos, como “The Talking Drum” onde agora isso acontece em “The Sheltering Sky”.

Após algumas apresentações iniciais, ficou claro que este era um novo King Crimson. “Discipline” passou a ser o nome do álbum e da faixa final da banda King Crimson renascida após uma completa reformulação que levou 7 anos. O rei carmesim renasceu numa capa inteiramente vermelha, com um simbolo entrelaçado similar aos nós celtas, e seria o primeiro de uma trilogia com mais dois álbuns: “Beat” e “Three of a Perfect Pair”.

 


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