Acabou.
O planeta como o conhecemos acabou. Finalmente o destruímos.
A nossa casa planetária derrete lentamente no esgoto que a deixamos agonizando em chamas e sangrando detritos nucleares. Provavelmente vai sobreviver a nós, a última de muitas extinções, provavelmente o planeta irá se reerguer em alguns milênios, um suspiro para a vida. Tá, você achou melodramático, mas é isso. Daqui a milhares de anos outras espécies irão recriar a vida, mas agora ela acabou para nós, malditos primatas.
Seguindo as instruções de Gustavo e seus amigos (ou era Geraldo e seus alunos?), irei resgatar tres obras da humanidade para lançar ao espaço, tres obras que traduzam o que algum dia já fomos, o que já conseguimos ser.
Uma música. Um livro. Um filme.
Uma música.
A música que escolhi foi “Op. 35 Scheherezade”, de Nicolay Rimsky-Korsakov, composta ao redor de 1888 do nascimento do nazareno.
Rimsky-Korsakov foi um dos cinco grandes compositores russos do século XIX que se juntaram para compor uma música que fosse autêntica russa. Eram César Cui, Aleksandr Borodin, Mily Balakirev, Modest Mussorgsky e Nikolay Rimsky-Korsakov, chamados de Os Cinco. Residiam na época nas imediações de São Petersburgo e se juntavam para criticar, discutir e aperfeiçoar suas obras em conjunto.
Os Cinco eram compositores que se apreciavam, criticavam e ajudavam mutuamente. Nicolay terminou junto com Glazunov (seu pupilo na época) a ópera “o Príncipe Igor”, obra de Borodin que morreu subitamente e deixou a obra inacabada. Várias obras de Mussorgsky e Korsakov foram compostas na mesma época e com influências cruzadas.
Assim como César Cui, Nicolay era de família de militares e compôs várias obras em alto-mar, visitou grandes portos da época incluindo Londres e Rio de Janeiro, leu muitas obras clássicas, e suas obras lembram as ondas do oceano, o vaivém do mar, a inclemência das forças naturais.
Korsakov passou anos aperfeiçoando e completando uma de suas obras primas, “Scheherazade”, sua sinfonia em 4 atos – Prelúdio, Balada, Adagio e Final.
“Scheherazade” faz referência a uma das obras literárias mais ricas da humanidade: As Mil e Uma Noites, escrito não por um autor mas sim por muitos, compilado várias vezes, e onde seus autores se perderam nas areias do tempo. Areias árabes e de desertos africanos, de beduínos, mercadores, viajeiros e sultanatos poderosos. É provável que tenha começado na Pérsia, e se espalhado no mundo árabe depois.
A estória começa justamente com um poderoso rei persa, Xariar, que descobre que sua mulher o trai com um escravo, mata os dois, e decide que não ficará mais de uma noite com a mesma esposa. Seu amor se converte em ódio, para o poderoso rei nenhuma mulher é confiável, então toda noite dorme com uma mulher diferente, e a mata ao raiar do dia.
Num primeiro momento a estória vai parecer machista (e claro que é, fruto do seu tempo), mas se tentarmos compreendê-la alegoricamente, não é o que fazemos até hoje se entender a mulher como a lua, e toda noite, uma noite diferente ? Somos reis da nossa vida, e a estória das Mil e Uma Noites é a nossa vida, todos os humanos vemos a morte do dia e o renascer do próximo. As Mil e Uma Noites tem seu próprio código onde o homem rico é um homem em toda sua plenitude, realizado, e os infortúnios são provas para uma evolução espiritual.
O rei então mata cada mulher ao raiar do dia, até aparecer Scheherazade. Ela conta no meio da noite uma maravilhosa estória para o rei, mas a interrompe quando chega o dia, prometendo terminá-la na próxima noite. O rei então perdoa sua vida. Na próxima noite, Scheherazade conta o final da estória, e faz a menção a uma nova, que conta até a metade, prometendo terminá-la na próxima noite. O rei então perdoa sua vida. Na próxima noite, Scheherazade conta o final da estória, e faz a menção a uma nova, que conta até a metade, … e assim sucessivamente por mil noites.
“Mil noites” é também uma forma de dizer ‘para todo o sempre’, ou ‘até a eternidade’.
No Mahabharata, a saga indiana compilada pelo poeta Vyasa, essas hipérboles são escritas como “assim como as pedras na margem do rio Ganges”, ou seja, incontáveis.
A estória principal é somente um recurso literário para poder concatenar indefinidamente um conjunto de contos originalmente contados por separado. “As mil e uma noites” eram um conjunto de fábulas, relatos, que foram ao longo do tempo compilados numa ordem específica. Para juntar as estórias é que existe a estória principal de Sheherazade, para que exista uma desculpa e poder contar estórias, que tiveram versões até terem uma versão escrita. Outras obras similares como a Ilíada provavelmente tiveram várias versões, mas se perderam ou nunca foram escritas.
Compilamos estórias para poder lembrá-las. Assim como a poesia usa a rima para facilitar a lembrança do texto, precisamos dessa continuidade para lembrar da estória. Assim foi que a tradição oral coletou o que hoje conhecemos como a Ilíada, o Mahabharata, o Panchatantra, a Bíblia (sim, a Bíblia. Fábulas. Bíblia).
Um dos personagens mais conhecidos das Mil e Uma Noites é Simbad o Marujo, que abre a obra russa de Rimsky-Korsakov. As viagens, a bravura e a inteligência de Simbad inspiram o começo da obra. Simbad traz outra idéia: a estória dentro da estória, pois um Simbad pobre lamenta suas desventuras na porta de um homem rico, que casualmente também se chama Simbad e o convida a entrar na casa e saber como o Simbad marujo ficou rico.
E depois acham que ‘Pai rico, pai pobre’ é uma novidade… essa confrontação do sucesso e do infortúnio, a realização e a desventura é um conflito tão antigo que talvez seja até anterior à própria existência do ser humano, e nas Mil e Uma Noites é narrado na forma de aventuras com um fundo moral, de como seguindo os passos da verdadeira religião nos aproximamos de Alá que nos leva, depois de muitas provações, ao merecido sucesso.
Simbad o marujo conta a primeira estória, onde perde o dinheiro, compra um barco, navega, encontra o que acha ser uma ilha mas é uma baleia enorme onde cresce até vegetação, consegue vender suas mercadorias, voltar e compensar o que perdeu.
Assim, estou aqui contando a estória sobre Scheherazade de Rimsky-Korsakov, que conta a estória das Mil e Uma Noites onde Scheherazade conta a estória de Simbad o marujo, que conta sua estória para Simbad o carregador, e assim estamos abrindo matrióscas literárias, bonecas russas uma dentro da outra.
Korsakov assim nos maravilha contando uma estória oriental para narrar sobre a riqueza de sua mãe Rússia, um russo do século XIX afirmando a identidade russa contando as estórias milenares do oriente, uma estória dentro da outra. A estória humana é uma sequência de matrióscas culturais até o infinito.
Simbad rico conta estória trás estória pagando para o Simbad pobre por cada uma delas, e no final das estórias se despede desejando sorte ao novo Simbad que terá a oportunidade de ser um comerciante, triunfar na vida de forma justa em nome de Alá e com isso seguir os desígnios do Altíssimo. Um final circular com a bendição do criador do infinito.
As “Mil e Uma Noites” tem outras estórias memoráveis, como a sequência famosa de Ali Babá e os 40 ladrões, os assaltantes que escondiam suas ganâncias numa caverna que abria mediante uma senha ‘Abre-te, Sésamo!’. A estória de Ali Babá também tem o mesmo antagonismo do vencer na vida, no caso com um irmão rico e um irmão pobre.
A sinfonia em vários momentos mostra uma riqueza que evoca os palácios do sultão, a riqueza que simboliza o bem vencendo o mal, a diversidade de viajantes que vendem suas mercadorias ao redor do mundo conectando oriente e ocidente.
Korsakov usou o tema oriental, as viagens marítimas de Simbad, para contar a estória na forma de uma matriósca musical onde os temas se entrelaçam, desenvolvem e voltam a sua origem renovados e completos, que homenageia o passado e o reinterpreta para um futuro de integração numa Rússia idealizada como o elo entre oriente e ocidente.
Ok, então Sheherazade será a música para preservar para o futuro, e com ela as Mil e Uma Noites
Na música já escolhi a referência de um livro, um clássico. Mas agora preciso escolher de verdade um livro.
Uma música. Um livro. Um filme
Um livro.
No século XXI surgiu um conceito esquisito de que se comentamos uma obra do começo ao fim falando sobre a trama, cometeremos spoilers, que seria contar coisas que tiram a ‘descoberta’ de quem não conhece a obra. Uma bobagem que reduz a experiência a uma contação, mas ok, quem entende os jovens?
O livro que decidi salvar pode ser totalmente comentado, sem spoilers, pelo menos da trama principal.
Como isso acontece ?
Acontece que a maioria das obras descrevem uma linha do tempo, com eventos sequenciais, mesmo que sejam contadas numa ordem diferente da cronológica são sequenciais.
Somos levados pelo autor a uma sequência de corredores atrás da verdade, ratinhos seguindo o cheiro do queijo saltitando pelos corredores de um labirinto, procurando a lógica para desvendar o mistério, até encontrar a saída. Chamam de spoiler falar da roupa do ratinho ou marcar essa saída numa linha tracejada.
Mas… e se a obra não for um labirinto ? Porque o livro que escolhi é ‘Rayuela‘, ‘O jogo da amarelinha’ de Julio Cortázar.
‘Rayuela‘ foi escrito de forma não estruturada. É uma novela separada em 155 capítulos, todos eles mais ou menos de uma folha ou duas, no máximo cinco. A gente pode ler a novela na ordem que quiser. Podemos ler sequencialmente, podemos ler na ordem proposta pelo autor, ou podemos ler na nossa própria ordem. Porque não há uma ordem definida. É uma não-novela, uma contra-novela. É possível entender a trama, conhecer os personagens, entender o porquê de cada capítulo à medida que a gente lê, sem precisar ler numa ordem pré-determinada.
Isto significa que cada leitor que decidir uma ordem de leitura, irá ler praticamente uma obra diferente. A obra se desenha a si mesma para o leitor, se mostra de forma diferente para cada um que a tentar desvendar. Se uma novela clássica de detetives é um labirinto, ‘Rayuela’ é um quebra-cabeça visto de cima. Diria até que é um quebra-cabeças incompleto porque a escrita de Cortázar é surrealista, não fala de fatos a seguir como um ratinho seguindo pistas, descreve o que os personagens entendem e sentem e é dessa forma que vamos deduzindo o que acontece.
A trama não é o que acontece. A trama é o emaranhado de sensações dos personagens atrás de cada pedrinha, de cada propósito que os leva para algum lugar, casinha a casinha pulando da terra ao céu. Como nossos pequenos projetos na vida, planejamos pequenas metas, quando a alcançamos, jogamos a pedrinha novamente, subindo até o céu.
O nome da obra já é uma provocação.
Julio Cortázar, além de escritor, era professor de literatura mas chegou um momento em que a seqüencia de governos totalitários o forçou a sair de sua terra. Mas ele nunca deixou esses questionamentos de lado.
Na obra tem vários personagens importantes, mas não um protagonista. Os que mais se parecem com protagonistas são Horacio Oliveira e Lucía, La Maga. As ocasiões em que estão juntos ou separados, quando aparece Rocamadour, o filho da Maga, são centrais para entender a obra.
Há outro personagem, um quase alter ego de Cortázar, Morelli, que nos explica o ir e vir dos personagens, um escritor que comenta sua vida, a obra, faz uma interpretação da sua situação quase como um narrador dentro da estória, só que interpretando, se julgando, procurando entender o que acontece.
‘Rayuela tem tres partes: “Do lado de cá” que acontece em Buenos Aires, “Do lado de lá” que acontece em Paris, e “Dos dois lados” que acontece em qualquer lugar, ou em lugar nenhum, só na cabeça dos personagens.
…e se engana quem acha que são só devaneios de personagens etéreos. Acontece que por trás das reflexòes há morte, desencontros, amores profundos e solidão. As passagens em Paris são intensas mas melancólicas, são exilados à força que precisam trabalhar e estudar fora da Argentina ou Uruguai porque não podem se realizar nos seus países de origem, são lugares que os expulsaram com suas políticas obtusas, com sua recusa a crescer.
A escrita com um forte pé no surrealismo e ao mesmo tempo a obra desestruturada que parece nos descrever pequenos pedaços de cada situação fazem com que pareça a simples vista que o assunto é simples, mas é muito mais complexo, muito mais profundo, e quem lê vai lentamente afundando na lama da compreensão humana, desses pequenos fantoches de si mesmos, de suas lutas, de seus desencontros.
Rayuela é uma obra completa e incompleta ao mesmo tempo, como a vida humana. É uma obra não sequencial que precisa da intensa compreensão do próprio leitor, e ao mesmo tempo fruto de um tempo de conflitos existenciais fortíssimos, e por isso será o livro que levarei para preservar de nossa extinção.
Eu sei que estou trapaceando. Com a música levei também um livro, com o livro levei vários livros, e com o filme também vou falar de um livro. Ou vários. Ou todos.
Uma música. Um livro. Um filme.
Um velho clássico, é isso que vou resgatar, a versão cinematográfica de um famoso livro de ciência-ficção dos anos cinqüenta: Fahrenheit 451 de Ray Bradbury, dirigido por François Truffaut em 1959.
O filme começa com uma narração em off apresentando o título, os atores, a produção, equipe técnica, direção, tudo isso enquanto vemos antenas de TV. Não há nenhum texto escrito no filme, nem na sua apresentação nem na estória que justamente narra um futuro distópico onde os bombeiros procuram e queimam livros -o título faz referência à temperatura na qual o papel vira cinzas.
A humanidade rejeitou o conhecimento das gerações anteriores. O conhecimento traz dúvidas, e é muito mais maleável e calma na sua homogeneidade uma sociedade sem dúvidas e sem memória.
Guy Montag, o protagonista, é um líder dos bombeiros, hábil encontrando e queimando esses pequenos depósitos de confusão. A sua esposa Mildred, do lar, tem uma TV quadrada e plana na parede principal da casa, e ‘participa’ de uma novela com uma pequena fala e uma decisão na estória, uma decisão tão fútil como sua excitação de estar ‘participando’.
Depois de vermos Montag em ação algumas vezes, descobrindo e queimando livros, vemos ele no trem bala em trilhos suspensos, onde pessoas aparentemente calmas não sabem o que fazer com suas emoções. Ele conhece Clarisse, uma jovem professora infantil. Clarisse, de cabelos curtos, é personificada pela mesma atriz que faz de sua esposa Mildred, de mechas loiras e longas.
Caminhando juntos até suas casas ela começa a fazer algumas perguntas :
“É verdade que muito tempo atrás bombeiros apagavam incêndios ao invés de queimar livros?”
“Que idéia estranha, casas são a prova de fogo”
“E por quê você queima livros ?”
“É um trabalho como outro qualquer. Livros são… lixo. Bobagens. Deixa as pessoas infelizes.”
“Você é feliz ?”
Montag fica com essas perguntas na cabeça. Participa de novas ações, mas aproveita para pegar alguns livros escondidos. Começa a ler alguns às escondidas.
Mildred tem uma crise, ‘esquece’ quantas pílulas tomou e tem uma overdose. ‘É muito comum’ dizem os técnicos que a atendem ante o olhar perdido e estupefato de Montag. ‘Vamos renovar o seu sangue e rapidamente estará novinha em folha. Quiçá até com fome, ou querendo algo a mais’ diz o técnico numa piscadela.
É assim que Montag começa a questionar sua aparente felicidade, a felicidade aparente de uma sociedade que não resolveu seus problemas existenciais, suas dúvidas profundas, apenas finge que não existem.
Nesse momento de crise é que Montag acompanha Clarisse para o que deveria ser o seu novo emprego de professora só que é um fracasso. E para coroar a crise, a amiga da Clarisse é descoberta. Ela tinha uma enorme biblioteca na casa, um porão completamente repleto de livros, que ela sequer esconde.
Uma parte memorável do filme é o discurso do chefe de Montag sobre o por quê dos livros serem desnecessários e prejudiciais, é cheio de falácias mas necessário ser ouvido para entender o argumento da ignorância hoje tão utilizado:
Veja, Montag. Toda esta filosofia, livremo-nos dela. É ainda pior que as novelas. Pensadores, filósofos, todos dizendo exatamente a mesma coisa.
“Eu é que tenho razão. Todos os outros são idiotas.” Num século, nos dizem que o destino do Homem está predefinido. No seguinte, dizem que ele tem liberdade de escolha. Não passa de uma moda, só isso. Filosofia...
Como vestidos curtos este ano, vestidos compridos no próximo. Olhe. Todas estas histórias sobre os mortos. Chama-se ‘biografia’. E ‘auto-biografia’. “A minha vida”. “O meu diário”. “As minhas memórias”. “As minhas memórias íntimas”.
Claro que, quando começaram, era apenas uma vontade de escrever. Depois, após o segundo ou terceiro livro, tudo o que queriam era satisfazer a sua vaidade, destacarem-se no meio da multidão, ser diferentes, poderem olhar para os outros a partir de um pedestal.
Ah, um premiado pelos críticos. Este é um dos bons. Claro que tinha os críticos do lado dele. Cara sortudo.
Me diga só uma coisa, Montag, adivinhe, quantos prêmios literários foram dados neste país, em média por ano?
5, 10, 40? Hmm? Nada menos que 1,200! Qualquer um que escrevesse alguma coisa estava destinado a ganhar um prêmio.
Ah, Robinson Crusoé. Os negros não gostavam desse por causa do personagem Sexta-Feira. E Nietzsche. Ah, Nietzsche. Os judeus não gostavam do Nietzsche.
Agora, aqui está um livro sobre o câncer do pulmão. Todos os fumantes entraram em pânico, por isso, e para a paz da alma de todos, vamos queimá-lo.
Ah, agora este deve ser muito profundo. A Ética de Aristóteles. Qualquer um que tenha lido este deve acreditar que está um degrau acima de quem o ainda não leu. Está vendo? Não é nada bom, Montag. Todos temos de ser semelhantes.
A única maneira de sermos felizes é que todos sejamos iguais.
Por isso, temos de queimar os livros, Montag.
Como se a busca do conhecimento fosse uma busca do ego, como se professores fossem doutrinadores de suas verdades e filósofos fossem vendedores de dogmas.
Os oficiais queimadores de livros comentam que a casa deveria estar vazia, mas a sua dona está lá, ri baixinho enquanto eles colocam os livros para serem queimados junto com a casa. Os bombeiros a advertem para sair, mas ela afirma que os livros são a sua vida, que ela conversa com eles. E num momento de descuido, ela mesma joga o fogo nos livros já repletos de gasolina e queima junto com eles, num protesto e ao mesmo tempo numa posição muito clara de preferir morrer a viver uma existência vazia. Montag fica profundamente chocado com a atitude dela e fica evidente na sua expressão que entendeu o recado: não dá para viver sem livros, não dá para viver sem memória.
Montag passa então a ler incansável -até para as amigas da esposa. Percebe que sua vida anterior acabou e orienta sua amiga Clarisse a fugir. Mas sua esposa Mildred está cansada disso, foge e o denuncia. Quando Montag está pronto para presentar sua demissão, é convencido pelo chefe a fazer uma última busca.
A próxima casa a limpar é a sua. Ele é forçado a queimar seus livros e na discussão mata o seu chefe que queima com os livros, e Montag foge. Após uma perseguição, Montag consegue se livrar dos seus captores, e é ajudado a fugir onde também está a Clarisse.
No meio da floresta, longe dessa humanidade doente, existem pessoas que preservam livros. Como não podem lê-los, os decoram e os queimam, preservando os livros onde não podem ser achados: nas suas mentes, passando de uma geração a outra recriando uma tradição oral.
E assim ainda resta uma esperança para a humanidade. O final do filme é melancólico pelo que a humanidade se tornou, mas com uma ponta de esperança, onde os livros vivos se misturam na paisagem, se preservando até que possam voltar a uma vida plena, representando a persistência da humanidade mesmo na adversidade.
E é por isso que vou preservar este também: “Fahrenheit 451”, Ray Bradbury por François Truffaut, um dos gênios da nouvelle vague, dos grandes diretores da Europa que se reeguia da guerra e mostrava uma nova interpretação que Hollywood ainda não entendeu.
Creio que posso tentar preservar outra obra. Ainda dá tempo. Poderia falar de outra obra musical, que pudesse nos ilustrar, talvez, … a nossa … persistência… ?
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