Transcrição do episódio #10: Duas cores como Bowie

(Não sei o que esses críticos musicais estão ouvindo, mas) o que você ouviu se chama Mc Fly (antes se chamava Time Machine) , fala sobre manipular o tempo e foi composta por Ca7riel. Ele já fez de tudo e agora está de rappero/ trappero com Paco Amoroso seu par musical de sempre.

Ca7riel e Paco Amoroso : se conheceram crianças na escola em Buenos Aires. Grandes amigos, colegas que agora depois de uma longa jornada estão tocando em grandes estádios, no Loolapaloza, no Sonar em Barcelona, no estádio Obras.

Ca7riel se escreve com um sete ao invés do T. Talvez t de trap. Na verdade se chama Catriel Guerreiro. E seu amigo Paco Amoroso se chama Ulises Guerriero. A coincidência do nome, da cabeça, dos gostos musicais os aproximou logo cedo ainda na escola primária, com 6, 7 anos, isso no começo do século, e se divertem fazendo música desde então.

No começo foram aulas de violino e piano no bairro de Floresta, um bairro residencial de Buenos Aires. Depois começaram a ser as bandinhas adolescentes, sempre lutando desde baixo, procurando efeitos no note velho da mãe de Catriel ou ficando até de madruga tocando na casa de alguém.

A primeira banda de verdade foi formada por Catriel onde Paco Amoroso era o batera ; a banda era chamada Astor y las flores de Marte, uma obbbbbvia referência a Astor Piazzolla, MESTRE do tango não clássico, um tango quase jazz rebuscado, instrumental. Tão bom e que conversava tanto com outros movimentos que foi sempre criticado pelos puristas do tango tradicional.

No caso desta banda Astor, onde a maioria das composições é de Ca7riel, já mostra que conseguia misturar rock progressivo com hip hop com funk.

O que ouviram se chama “Los patos” e é dessa época de Astor, que parece um Jamiroquai spinetteano, muito Pescado Rabioso, a mítica banda de Luis Alberto Spinetta. Mas eles queriam compor, misturar, se misturar.

Primeiro com impros, improvisações meio jazz, meio hip hop, depois participações das mais diversas bandas como Secuela ou Bizarrap. Assim formam a ATR Vanda para servir de base dos instrumentos e assim atender os seus anseios no trap. Atravessam estilos com tranquilidade, pelo dance, pelo trap, com muitas outras influências de Lamarr a Bowie, de Will Smith a CanCerbero, de Joey Badass a Panthera.

Com a ATR Vanda passaram a ter liberdade para compor, se concentrar em letras e ritmos e cair no rap, hip hop e trap junto com a bagagem que já tinham.

Mas essa trip não foi fácil, dizem por aí que Catriel perdeu suas primeiras batalhas de freestyle em Parque Rivadavia. Mas continuaram, suas letras e experiências atravessaram o rock e chegaram no rap na mão do hip hop. Talvez por isso de forma inconsciente acabam fazendo o caminho desde el Flaco Spinetta mítico rockeiro até o filho dele Dante que fundou no começo dos anos 2000 uma das primeiras bandas de hip hop argentino, Ilya Kuriaki and the Valderramas. Os “Kuriaki” como ficaram conhecidos incendiaram a cena da música argentina no começo dos 2000 com seu rap descontraído, mas o rap mesmo não se manteve em cena. Mesmo assim Catriel lança dois discos ‘solo’: Povre e Livre. São álbuns complexos onde Ca7riel navega no rap mas com solos e com letras complexas, tão complexas que imaginou que o público não ia gostar. Segundo ele, removeu todas as músicas e as refez do zero, e lançou tudo novamente em Youtube, depois no Spotify.

Eles tocou todos os instrumentos, na sua casa, sampleando músicas, criando os efeitos e as letras -letras como 

A alma suporta qualquer veneno, quem tomou do ruim sabe qual é bom

ou

A vida é uma fucking pequena luz numa fucking escuridão

Depois Ca7riel começa os trap com o Paco Amoroso. Sempre com uma musicalidade que trap nem sempre tem, com muito jazz, rock, e letras insinuantes. Eles fazem uma música junto com um vídeo em formato de story do Instagram, “Jala Jala”, que é o que estoura nas mídias e se convenceram a seguir essa linha.

Ulises criou Paco Amoroso “porque o nosso é love” e construiu uma forma descontraída brincalhona e provocante de cantar. Suas letras são fluídas e misturam a realidade sem muita esperança do jovem com drogas com amor e com vontade de viver. Tem letras explícitas e tensas mesmo que nas entrevistas apareça bem tranquilo, falante e sem um pingo de violência. No Lollapalooza jogaram chocolates na platéia. Sempre love nunca bullying desde a escola. Talvez por isso seja Paco Amoroso.

Sua forma lúdica de brincar com jazz, rock e muitas referências musicais e culturais (“duas cores como Bowie”) avisam que a bagagem é imensa mesmo com pouco mais de 25 anos.

Agora após tocar no país todo e começar a aparecer no exterior, lançaram uma música bem ‘hit do verão’ até para demonstrar que não há amarras nos estilos, e ainda vamos ouvir falar deles.

Eles não tem um álbum de apresentação. E precisam ? Depois de uma lista no youtube, outra no Spotify, perfil no Instagram, depois de vídeos das músicas em forma de stories, um álbum parece algo do século passado.

E para apresentá-los acho que o melhor é uma música mais nova com a participação dos dois que não tenho a mínima idéia do que significa mas se complementam na letra falando sobre as dificuldades que passaram para chegar na fama e que tentam se manter íntegros.

Ouke.

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Por Outro Lado

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